Deus conhece Judas (2024)

Como em outras línguas impregnadas de cultura cristã, Judas em filipino significa o traidor. O mesmo acontece em algumas outras línguas filipinas, como Binisaya. Judas é Traydor, Taksil, Hudas.

Aquela placa icônica dentro do jeepney é ao mesmo tempo expressão e comentário: “Deus sabe que Hudas não paga” é um aviso, para aqueles passageiros que podem estar pensando em não pagar a passagem, e ao mesmo tempo uma piscadela de denúncia para aqueles que não pagam a tarifa certa como trapaceiros, traidores de um contrato social, Judas.

E o trocadilho é apenas o toque certo do óbvio. Muitas vezes, a palavra impressa ou bordada é maiúscula, para que seu ponto não se perca: “Deus sabe que HUDAS não paga”.

Da mesma forma que a história de Judas Iscariotes faz parte da realidade cotidiana nas Filipinas, quase podemos argumentar que o menor dos apóstolos deve ter sido filipino. Não só o seu nome faz parte da língua; o seu ato básico e mais vil, a traição de Jesus, parece ser um fardo diário.

Pelo menos é isso que me passa pela cabeça, quando vejo (ou leio sobre) audiências que ainda riem das piadas feias e ofensivas do Presidente Duterte; sobre as mulheres que ele deseja, jornalistas e defensores dos direitos humanos e advogados que ele detesta, a fé cristã que ele zomba. Pode ser demasiado esperar que os membros da audiência, especialmente os funcionários do governo que ele lidera, saiam da sala – existe a possibilidade de serem maltratados, ou pior, pelos seus assessores de segurança. Mas certamente está dentro do possível não rir, quando o Presidente faz mais uma piada sobre estupro, ou lança mais um insulto grosseiro, ou lança mais um ataque à Igreja.

As pesquisas mostraram que a maioria dos filipinos achava que o presidente Duterte estava sendo vulgar quando xingou os padres e descreveu o Deus cristão como “estúpido”. Mas não saberíamos disso se tivéssemos julgado apenas pela resposta do público no momento em que ele falou. Se, como parece provável, as audiências a quem ele falou refletiam o sentimento nacional, mas essas mesmas audiências ainda riam das “piadas” e aplaudiam as falas – então muitos naquelas audiências, sentados ali diante do Presidente, devem ter traído a sua próprio senso de certo e errado.

Quando agimos como facilitadores do Presidente, também somos Judas. Somos traidores de nós mesmos.

Quem são os Judas da política filipina?

Hoje em dia, quando o assunto se volta para a traição, o foco recai frequentemente sobre o fracasso abjecto da administração Duterte em fazer frente a Pequim. Não é tanto a covardia que irrita; pelo contrário, é o cálculo covarde dos poderes constituídos que ofende a opinião pública.

O Presidente e a sua administração são rápidos a lançar insultos aos seus supostos inimigos: observadores dos direitos humanos, membros da imprensa, aliados ocidentais, a oposição política. Mas deixemos a China exercitar os seus músculos dentro do território filipino – e nada, ou quase nada. O que foi que disse o ex-candidato a vice-presidente e secretário de Relações Exteriores? Queixamo-nos demasiado da China – exactamente o que um facilitador, ou um co-dependente, diria de uma relação abusiva.

É certo que a traição do interesse público não é monopólio de um governo que procura mudar a sociedade filipina a um nível fundamental. Mas certamente vale a pena reflectir que quando hoje se fala em traições, em actos de traição, muitos filipinos pensam na aparente cumplicidade da administração Duterte com Pequim.

Quem vive pela pesquisa, morre pela pesquisa. As mesmas sondagens que mostram um elevado apoio público ao Presidente também mostram um apoio elevado (e desde 2012, constante) a uma posição mais dura das Filipinas contra a China. No que diz respeito ao Mar Ocidental das Filipinas, a maioria dos filipinos pensa que a administração não está a servir o interesse público. A contínua “invasão” de trabalhadores chineses nas Filipinas – algo para o qual até os senadores Joel Villanueva e Nancy Binay alertaram o público – apenas aprofundará a insatisfação pública em relação à China.

Deus sabe que o HUDAS não segue a Constituição.

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